terça-feira, 13 de maio de 2008

Nadando contra a maré

Entrevista com Lirinha vocalista do Cordel de Fogo Encantado. A banda de Arco Verde (PE) encerrou com muita percurssão e poesia a 1ª Conferência Nacional de Juventude.



Lirinha

Reporters Alessandro Muniz, Bianca Pyl, Eric Silva, Jorge Jr e Fotos de Luiz da Silva 30/04/2008


A celebração da mensagem poética da banda Cordel do Fogo Encantado marcou o último dia de atividades culturais da 1º Conferência Nacional da Juventude. O show da terça-feira agitou o público, levando a emoção até os ossos da galera que cantava e pulava diante do palco. Após o show, a banda concedeu uma entrevista a galera da Cobertura Jovem, que segue, na íntegra.


A Conferência da Juventude aqui em Brasília tem o lema: qual a sua bandeira. Qual a bandeira do Cordel?


O Cordel tem uma musicalidade basicamente percussiva e vem de uma região que representa muitos estereótipos. A gente vem tentando criar com uma maior liberdade possível, por isso a gente abre o show com a música em que o cara sai da prisão, simbolizando essa liberdade, para tentar buscar uma musicalidade não necessariamente ancestral, nem necessariamente arcaica, nem tradicionalista, que é uma prisão que a música nordestina, através do rock regional, se encontra por não poder dialogar com essa coisa contemporânea. Eu acredito que um grupo que tem uma base percussiva pode estar dialogando agora em 2008 e levantando suas idéias.
Outra bandeira que a gente carrega é essa discussão gerada dessa convulsão de viver na interlândia, de fazer arte na interlândia e negociá-la, trazê-la para o mercado. Isso é uma relação difícil, que a gente levanta essas bandeiras de questionamento sobre o valor dessa arte. Eu acho que o símbolo interlândia que a gente utiliza, ele termina refletindo muitos lugares. Não é necessariamente uma região geográfica.


Dentro deste cenário político, fale um pouco como é a música hoje, porque há uns tempos a música teve um grande significado, na época da ditadura. Fale qual é o papel da música agora em 2008 dentro deste cenário, principalmente para essa juventude que discute política?

A gente nada contra a maré. Essa coisa de viver no mundo capitalista tendo que vender poesia, botar preço no que não tem preço, poderíamos dizer assim: negociar o sublime, que é a poesia, a música. Mas a gente está inserido nisso e nada contra a maré, porque é uma relação de guerrilha mesmo. Há uma dificuldade enorme de diálogo com os meios de comunicação que representam a divulgação musical no país, a televisão e a rádio, elas assumem posturas de empresas do mundo capitalista, esperando um lucro mais rápido e o mais largo possível. E a gente segue acreditando que não devemos nos abalar por não estar inserido na leitura oficial da divulgação musical do país. Acredito que isso é reflexo dessa luta toda da década de 60, 70, esse fogo que não se apaga, essa voz que não se cala.
A gente traz personagens como Stanley, que é justamente esse novo homem que, quando a gente foi no sertão, naquela seqüência da poesia Morte e Vida Severina, e encontra um rapaz que é filho de um Severino e fez a mesma retirada que o pai fez na década de 70 para São Paulo. A gente encontra esse rapaz construindo uma universidade, colocando gesso, e ele é de Serra Talhada e a gente pergunta o nome dele e ele diz que é Stanley que o pai colocou devido às influências da TV, e ai a gente diz: “vai nascer esse homem, Stanley”, que tem essa mesma seqüência da retirada do passado, mas com a possibilidade de questionar isso.


Como é que você sente essa energia da juventude? Você acredita que essa juventude que está aqui tem força para fazer a diferença, para construir a mudança?
Eu acredito que o que a gente realizou agora foi uma celebração dos nossos sonhos, nossas ilusões e desilusões. Eu tenho uma relação com o palco assim, de celebração. Acredito que a nossa criação artística é anterior a esse espetáculo, aquilo é uma celebração de toda uma mensagem. Eu não tenho uma visão pessimista em relação à luta atual, política, de desejo de mudança. Em algumas áreas eu acho que a gente continua nessa luta. Ela se torna difícil porque são muitas forças contrárias, mas, uma apresentação dessa simboliza isso, uma festa em volta de uma poesia que levanta determinadas questões.


Então, sua música é uma poesia musicada. Como você acha que isso pode influenciar na política?
Como eu disse, a gente faz parte de uma geração onde existem muitas definições, herdamos muitos pensamentos estruturados, praticamente a gente vive de desilusões, nossa geração vive de quebrar determinadas verdades, e às vezes fica um terreno de cacos e a gente no meio desse caos tem dificuldade de enxergar a luz. Eu acho que hoje, fazer uma arte que não tem o objetivo apenas financeiro, de mercado, ela já é em si uma atitude política. Então eu também tenho muito cuidado com essa poética, mais aberta, política, porque ela também perdeu um pouco da força com o desgaste, da facilidade de alguns versos. Hoje a gente vive nessa coisa de uma criação poética menos parcial e mais profunda, que acredito ser a música de protesto da década de 70.


Para finalizar, você acha que a Matadeira de Canudos é o Caveirão hoje, na favela do Rio?
Sem dúvida alguma. A história se repete e ela é de uma obviedade que incomoda, até, porque a favela ela herda esse nome pós Canudos, pós as notícias de Canudos. Vocês sabem que Euclides da Cunha escreveu “Os Sertões” como o jornalista enviado do Estado de São Paulo para cobrir a guerra e eles começaram a comentar “o alto da favela; o alto da favela”, e as casas eram construídas daquela forma desordenada, o que era uma estratégia de guerra também, para não haver ruas retas, e era um labirinto. Assim que acaba Canudos, começa o surgimento das favelas no Rio de janeiro, que coincide com o fim da escravidão também. Então a imprensa começa a chamar aquelas regiões de favela. Favela é uma vegetação que é toda emaranhada cheia de espinhos, parece aquela geografia, e na é poça o governo brasileiro não conseguiu um diálogo, entender o que estava acontecendo naquelas cidades muito grandes que possivelmente era a segunda maior da Bahia e aí mando como diálogo a Matadeira, que é mais simbólica, ela terminou não funcionando, que quando chegou ela engoliu muita terra na estrada e terminou tendo problema, mas ela foi muito forte no imaginário da turma de canudos e dos soldados, ela foi esperada com festa no porto da Bahia, e aí desce a Matadeira esse objeto, e aí ela segue pra Canudos, para destruição de Canudos, para o fim de Canudos, a gente ouve essa imagem, a Matadeira chegando no alto da favela, e aí sai um pouco do tempo não sabe se é em Canudos ou se é agora.